segunda-feira, 18 de novembro de 2013

donde eu vim

Na mais precoce idade lembro da energia que gastou, fonte da minha alegria nas brincadeiras: me fazer de avião com suas pernas, no ar com seus pés na minha barriga, flutuando na cama; porquinho nas costas com o bumbum convidando para darem um tapa, garupa que ele deixava fofinha com a camiseta e nas pedaladas velozes no parque arriscava como os jovens skatistas de hoje.
Cozinha era divisão de tarefas, o grande objetivo da missão era o desejo insaciável de doce das crianças. O percurso era divertido, cada um agarrado a sua função com supervisão sujavam, confeccionavam, assavam, comiam e limpavam toda parafernália. Feito os mantecais, orgulhosos serviam os biscoitos que antes se assar tinha um toque do garfo em cima para um amassado estilizado. Em escala bem menor, reproduziam uma fábrica, os quatro os irmãos se ajudavam como engrenagem.
Papai dividia-se entre todos os filhos como um líder comunista afetivo, sua atenção diferenciava o trato conforme a idade de cada um e o cada um despertado nele.
Como caçula, tinha os privilégios de ser café com leite em algumas situações o que pela própria idade inferior em relação aos outros me custava as peças que me pregavam. Internamente havia um revolucionário lugar minha vontade de emancipação lutava com os irmãos, sempre fracassada. Manifestava uma cópia do pior que considerava que poderia ser uma criança, sem calcular a frustração de expectativas, enquanto apreciada por ser pequena, bochechuda, loirinha e como boneca, brincavam, meu comportamento do que era para os outros se manifestaram ao contrário. Todos os palavrões saiam da minha boca em resposta à exclusão dos jogos com os jovens da vila ou por ser café com leite, de minha inveja em ser maior era uma boca suja.
Um dia papai quis consertar o baixo calão da pequena, com educação me sentou no murinho da casa e pediu para eu falar todos os palavrões que conhecia, impressionante a quantidade que havia aprendido. Me perguntou se eu sabia o que significava cada um deles, não sabia; me custou a formular como eles agrediam, mas sabia que agrediam e isso era tudo.
Papai me disse, pequena Renata, essas palavras que você diz são usados por pessoas que moram na rua, mulheres da vida. Quis saber o que eram as mulheres da vida, dentro do tema papai me disse que essas pessoas são as "Putas", além de sua justificativa na divisão de classes.
Espontaneamente disse: “Papai, acho que sou uma putinha”.
Não se desaprende; o que se faz é selecionar e evitar conforme o que aprendeu.
Trotes fantásticos se aplicaram a mim, puro divertimento de adulto as custas da minha inocente dúvida entre, me ater cegamente à versão de meu pai que acreditava jamais ser enganada e a sacada da impossibilidade da história existir.
Nos momentos de instaurar as histórias fantasiosas, instalava-se também a cumplicidade com os irmãos mais velhos, ao ninguém se opor a história, acrescentar ou confirmar a lenda.
Ser raspa de tacho é só pra quem sabe.
Criada numa convenção de fábulas, desvendá-las era revoltante.
Das histórias inacreditáveis que por devoção ouvi e até imaginei, sempre hesitei em acreditar. Que bom que eu tinha essa autonomia do pensamento e um pé atrás do deboche que estaria por vir, as histórias boas, fantásticas, coloridas tinham um preço a pagar ao acreditar insuspeitamente.
Até hoje me ocorre a bobeira de encontrar em Minas Gerais, Poços de Caldas de doce de leite, goiabada, compota de figo e doce de abóbora para servir de baldinho e me lambuzar de infância. As viagens de antes, intermináveis, com referência da cabeça enfiada entre os bancos de papai e mamãe e perguntar a cada 5 minutos “Está chegando?”.
Rumo a Ilha Bela soube que faríamos travessia de balsa, na verídica imaginação de quem contava havia a possibilidade de ir de carro no subsolo da embarcação e através de vidros veria os animais marinho e o boto cor de rosa.
No esperado e já desmistificado Natal enquanto criança, mamãe colocava presentes ao redor da árvore e papai fazia um passeio com os filhos pelas ruas do Itaim para não quebrar o encanto. Faz crer que o brilho do pavimento, até hoje de origem que desconheço, era lançado pelo trenó do papai Noel.
Hoje vejo que essas improvisações dos locais aventurados, ficaram na minha memória tão impregnada que conheço dois lugares do mesmo local, um papai que sempre me encanta.
Da fantasia de princesas, conheci pelos livrinhos da coleção Pompom que tinha a capa acolchoada, lia e relia e o valor estava em conhecer as histórias assim como as adoradas Fábulas de La Fontaine para papai.
Com muita mulher em casa, daria briga se todas quisessem ser princesa, assim reconhecida, consumado por sapatinho e badulaques associados.
O mais marcante era assistir Cinderela inúmeras vezes com todos da família. Todos queriam ser o ratinho Tatá, fiel a Cinderela, um animal de valor sem a submissão e ascensão repentina de Cinderela. Mas para não perder o costume da judiação em casa, me diziam que eu era o gato Félix.
Contraponto das facilidades de Cinderela.
É, o gato Félix é odiado para quem torce para a Cinderela, é um complicador.
Mas considerar a impassibilidade do gato diante do sonho e repressão de Cinderela me fez vergar junto com ele a ser insensível a dores e alegrias fabricadas.
Opostamente, uma solidão povoada de memória e uma vontade revolucionária de encontrar o meu lugar.
Gostava muito das histórias de fantasma e de medo, temer alguma aparição ou um evento súbito que gerava a perplexidade, dúvida e hesitação.

Crua, estou pronta para corar minha vida de "aflições medonhas"