segunda-feira, 2 de maio de 2016

mala doméstica e casa no peito



Viagem internacional é transpor a porta do aeroporto no embarque carregando mala doméstica e o interior da casa no peito. É despedir da família com dicas e apertos para não entrar em situação de sufoco.
Deixar o namorado com promessa de pureza e celibatos foi a dose.
Escala em Dallas, sem a bagagem, fumei um cigarro do lado de fora do aeroporto e vi uma revoada de corvos barulhentos povoando minha nublada sensação despedida.
Você chega no estrangeiro e as providencias primeiras somam o dobro do dinheiro, você se julga burro por não calcular.
De primeira viagem coisas como o bilhete do ônibus para o mês, pen drive enquanto não perder, pilhas, são troco.
Estar numa homestay tem a vantagem das dicas de sobrevivência, consumos do provisório a preço bom em estabelecimentos como loja de departamento, afastado do centro, que se chega com o carro deles, um atalho.
Mas brasileiro diz: “quem converte não se diverte” e assim gastei feliz no primeiro dia o equivalente a um sexto do meu budget. Pelo desfalque dos próximos meses brindei com café da Starbucks. E grata pelo ritmo acelerado da minha momstay, entrei no mercado da galeria com vontade de comprar nossas frutas de inverno.
1 kg de castanhas de caju e brasileirinho de Maria Bethânia foi meu presente do Brasil.
Queria comer cashues com eles, me senti enganada na loja de departamento, por não comprar shampoo, sabonete e pasta de dente.
A realidade é que eles acham que quem faz intercâmbio é muito rico e desfrutam do dinheiro da acomodação minha em troca da cultura deles.
Porém ficava no porão, aprendi naquelas de pronto em inglês como lavar a roupa na área de serviço, frente a meu quarto na casa pré-fabricada.  
Tinha uma chave do portão do quintal e outra da entrada de baixo que eles também usavam. Momstay me explicou as trancas na saída, falou que trabalhava na CityHall, prefeitura, fumamos um cigarro juntas e me recomendou o DuMarrier.
Senti independência. Apesar de fumar 1 cigarro fracionado por dia.
De manhã coincidia meu horário com a escola da menina, sua filha, e conseguia tomar cereal com morango desidratado com leite.
O pai policial estava afastado do trabalho e cozinhava para todas no final do dia. Tratava de comer cada pedacinho com bastante elogio e pouca sacies. Com o passar dos dias e minha frequência na escola, sempre presente, fim de tarde com frio e fome encontro a cozinha trancada. E assim todos os outros dias.
Adorava o lanche de criança de almoço, pão com nutella e pasta de amendoim, todo dia, sem falta, sem suco! Comecei a reparar nos lanches dos colegas do curso da ILSC, eram mais substanciosos ao menos não era cup noodles.
Mas tenho a característica de não modificar as coisas e me adaptar a realidades, por isso aproveitava para tomar um suco na lan house, usar o msn e email, fazer ligação com meu cartão para o Brasil.
Os telefonemas sempre falhavam, decidi não gastar mais com cartão, nem sabia da existência do Nextel muito menos da portabilidade. Fui deixando de narrar minhas descobertas para a família e o namorado ligava sábado de manhã na homestay.
Acordava todos os dias sozinha, quase não via mais a menina na casa, subi na cozinha e comi apenas um pote de cereal, com vontade do segundo mas entendi que era fracionado.
Acordei com neve e os meus passos foram os primeiros a deixar rastro naquele março.
Neste momento comecei a atravessar a ponte para escola a pé, o ônibus era quentinho mas eu tinha mais tempo para ouvir música com meu diskman e ver os trabalhadores civis, loiros e lindos;
Sentia falta de amigos, mas pensei em ficar longe dos brasileiros, mas como não ser amigo de brasileiro? Havia grandes grupos de brasileiros, só observava, porque não tinha identificação nenhuma em ouvir Jamil e uma noites, que conheci por eles, ou alugar limosine para ir em balada de brasileiros.
Estava em Vancouver, Canadá mas viver a vida dos nativos também parecia ilusão.
Um dia ia ao shopping com uma colega que saia com muitas sacolas da Gap e eu de mãos vazias, outro dia ia na loja de maconha e pipe com o pessoal que fumava maconha verde florescente, maravilhosa no cachimbo num barzinho para acomodar e lucrar na larica.
Não estava feliz! Voltava para casa e ainda encontrava a cozinha fechada.
Minha família era de descendentes de britânico, na colônia de British Columbia, mas quase não participei de seus programas, só no dia que cheguei para compras pedi e eles que me deixaram um livro de grandes poetas ingleses e americanos que lia e traduzia diariamente como John Keats, T.S.Eliot, E. Cummings.
Estava estranhando muito ficar sozinha, as trocas esporádicas de e-mail com minha irmã Mariana eram confissões do meu espírito e ela enviava frases de Cioran. A foto do ano novo que passei junto a amigos e irmãs era a força para continuar e querer voltar: Saudade.
Visitei o bairro de assistência social com travesti com plástica de quinta que o deformou, salões para injetar heroína até a morte, mendigos bem vestidos em relação ao Brasil, por causa do frio.
Cioran permitia a leitura dos que vagavam naquele reduto em um amparo sagrado, social e mundano.
Voltava para casa vendo elásticos no chão, parava no boulevard e me purificava no bairro náutico banhado pelo Pacífico, com muitos barcos atracados na costa.
Esquecia da fome, na rua não queria gastar muito dinheiro, queria deixar para esquiar ao ver todos os dias o cume da montanha com gelo, Whistler. .
Os totens nos parques começaram a me impactar no monumento que busca raiz.
Nas andanças descobri o cinema Paramount, entrei e assisti a Nanny Macfee.
Emma Thompson, inglesa protagonizando, criou um mito acerca da minha momstay.
Mudei de casa, queria comer melhor e fui para um bairro nobre, casa grande, quarto com cama queen e calefação.
Assistia televisão com a filipina, fui para Whashington com ela, suas filhas eram carismáticas e compartilhei o andar debaixo com uma japonesa.
O grupo de brasileiros e suas baladas não me interessavam, as filipinas eram bem dadas, os japoneses homens mudava o mês abria outras classes e eles ficavam com a mesma professora fiéis e afeiçoados, as japonesas não se separavam de seus tradutores e provisões, as mexicanas eram bonitas e se agrupavam como os brasileiros, os europeus sabiam de seu glam.
Fiz compras em downtown, joguei bilhar, ia em loja de discos tudo guardado até hoje.
Meus amigos eram Fabi, Wilton e Walter...todos insatisfeitos com a Disney World protestamos em um pub com grandes pints e torcedores de futebol.
Fabi era noiva e queria promoção na empresa, dominando o inglês, Wilton era noivo queria conhecer de tecnologia, Walter queria ficar comigo na falta de levar bronca de seu chefe no Brasil e termos uma experiência juntos de durões em Vancouver, com visto de estudantes.
Fomos para Whistler. Eu não tinha luvas de tactel e Fabi estava mal agasalhada.
A montanha nos jogou, cada um de nós separados fomos explorar as descidas.
Eles foram de snow board eu e Fabi ski nos vimos no final, gelados e cheios de adrenalina.
Fiquei com medo de perder a mão, que estava enrugada e congelada.
Fabi aqueceu minha mão entre as suas. Um dia não vi mais Walter, me arrependi de não ter feito parceria, em nome de um celibato e Fabi foi para Toronto.
Continuei meus passeios...peguei um ferry boat e fui para Ilha Victoria.
Via gaivotas voando ao lado com o vento gelado e pinheiros na orla.
Chegamos, o guia me levou até uma parte, falava, mas resolvi mandar postais para meus pais.
Na ilha Victoria, separada da excursão, entrei numa loja de departamento e me deslumbrei com um relógio da Roots, perdi o horário de volta e a excursão..
Pedi para uns meninos bonitos que esperavam também a volta para Vancouver para ajudar a ler o manual do relógio, entrei no ferry boat e conheci um japonês que fazia universidade da British Columbia e aproveitei o restaurante do barco numa conversa que me pareceu que era o começo da viagem.
Mas o conselho da escola ficou preocupado comigo, ligaram para o Brasil. A conselheira pegou os dados do cartão de crédito do meu pai, comprou minha passagem.
Aya a japonesa que compartilhava a homestay, com quem assisti O Sorriso de Monalisa num combate para ver qual das duas fazia melhor que Julia Roberts, me fez um mini cartão rosa com corações minúsculos dizendo que sentiria saudades e chorou.
Perdi a hora e ganhei uma raiz numa província.

 

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