segunda-feira, 9 de maio de 2016

olha


Ela conta de sua tia cega enquanto lembra da casa da infância com folhas no chão, grama alta e escadaria. –Muito parecida. Diz
Histórias do passado também trazem infelicidade, lembramos da tenra infância em festa mas acompanha o sentimento que se divide. Não falamos do que desagrada mas está lá em alguma gaveta silenciosa, a desgraça não se conta pois nunca se supera ao ponto da ironia de sua dor.
Olha, a tia cega era inocente, não sabia de nada e ainda assim era enganada, mas sabia de quem desconfiar. Aquela casa trouxe tia Zumira.
-Olha, essa casa, com portão e acima grade de segurança, -Dá para o céu, uma casa de frente para o oceano em SP.
- Que bom que tem essa praça vou fazer exercício.  
 -Agora me conta para que essas máquinas, para quem não tem caminhão?
 -É muito bom para os braços, alonga. 
 -Essa casa é chique.            
- Mulher de bom gosto e marido também.
-Certamente mulher com bom gosto, marido com bolso.
-Vamos escrever sobre as casas?
-Escrever sobre o chique não tem graça, mas se tudo que a gente imagina não for escrito, não existe.
- A imaginação e a realidade, você precisa ler Pablo Neruda.
-Casava com Pablo Neruda, corria atrás de seu carro.
- Olha aquela casa.
-Malibu, essa palmeira parece coqueiro. Eles serviriam uns tapas.
-Nossa essa casa é minha cara.
Paramos. A casa era linda, de pedra, com escada um jardim acompanhando entrada de vidro.
- A essa é a casa do vovô, entrada com mosaico russo, cadeira de balanço.
-Essa é assombrada. Medo. Não é do sonho mas moraria nela.
-Essa é bem sem graça né? Salmão, porta bonita e só.
- Que cheiro é esse?
– Dama da noite. 
– Tá, mas onde está a árvore? 
– Aqui, de flor amarela.
– Só conheço a lilás e branca. (cheirei) Tem cheiro de boneca menina flor que usava toca. 
– É.
-Olha essa casa! Um altar com vela e uma santa. 
– Precisa fazer um minuto de silêncio.
- E essa?  Senta um jovem sem camisa com fones de ouvido. 
– A casa eu não sei, que menino bom. Sentava ali no sofá com ele. Oi Tia. 
– Precisamos tirar foto de todas essas casas. 
– E o menino? 
– Fica na intimidade da nossa imaginação!
-Tem um cata-vento no jardim. 
–Tem também dois pneus. Essa casa é de doido. Olhamos dentro, muitas plantas na mesa de jantar 
–De senhora. 
– De senhora doida varrida. 
– De feirante, olha a barraca dela.
- E essa do fusca vermelho? 
– Ah tem arquitetura legal, é de pesquisador.
- Ah essa é a minha cara. Casa feliz. Que nem sua amiga que se programou para ser feliz.
- Não posso andar nessa rua. Morava ali.
Andamos em silêncio, olhei para cima vi um homem, me assustei e dei boa noite ela também deu.
-Achei que estava vendo assombração dei boa noite para confirmar que era humano, parecia o Frankstein. 
– Também achei, por isso dei boa noite.
-E essa casa? 
– Essa parece do nordeste, bora ver televisão com a vizinha Tia Maria?!
Voltando o percurso.
-Você ouviu? Você ouviu? Não via nada e gritos de homem. 
– É aquele homem na praça agonizando. 
– Onde, não vejo, cadê? Vi, credo, ele vai morrer. 
–Ei, ei, (para o tio da casa da Tia Zumira) Ei, ei você é surdo? 

Achei que eu estava no além, com um homem agonizando na praça e um surdo assoviando em seu jardim de grama alta.
-Você é muito frágil, se impressiona e pode não voltar.

-Eu grito, eu agonizo, mas eu volto.

- Tia Zumira era muito bonita e ficou cega, fizeram macumba com o cabelo dela. Inveja.
- A inveja só existe da propriedade do outro. Alguns querem o carro, nós a casa e levaram a visão de tia Zumira.

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